/ May 02, 2025

Uma nova ordem global se aproxima – 30/04/2025 – Solange Srour

“Em economia, as coisas levam mais tempo para acontecer do que você pensa, mas depois acontecem mais rapidamente do que você imaginava.”

A célebre frase de Rudi Dornbusch, um dos grandes economistas do século 20, sintetiza bem a natureza dos efeitos das políticas econômicas: muitas vezes tardios para se manifestar, mas, quando ocorrem, podem ser mais intensos, difíceis de administrar e, algumas vezes, irreversíveis.

Hoje, o consenso entre analistas aponta para uma nova realidade: qualquer que seja o patamar de tarifas que prevaleça, ele será bem mais alto do que o previsto, representando um choque negativo de oferta para os Estados Unidos —e de demanda para o restante do mundo.

Para o consumidor americano, o impacto tende a se materializar em preços persistentemente mais altos. O efeito inflacionário poderá ser temporário ou mais duradouro, a depender da dinâmica das expectativas, da condução da política fiscal e do comportamento do dólar. Já para o restante do mundo —especialmente para a China—, o ambiente tende a ser mais desinflacionário, refletindo a retração da demanda externa, componente importante da demanda agregada.

Essa leitura se sustenta no curto prazo, mas, olhando para um horizonte mais longo, o cenário é mais desafiador. Estamos diante da construção de uma nova ordem global, caracterizada por uma menor interdependência econômica global, com consequências econômicas e geopolíticas bastante significativas.

Muitos traçam paralelos entre o atual redesenho das cadeias de produção e as disrupções vividas durante a pandemia da Covid-19. Mas os dois episódios têm naturezas distintas.

Na pandemia, o estresse sobre as cadeias de suprimento foi provocado por mudanças abruptas na composição da demanda —um aumento no consumo de bens e uma queda nos serviços—, revertidas rapidamente após a reabertura das economias. O impacto foi relevante, mas transitório: os gargalos logísticos se dissiparam com o tempo, permitindo a recuperação da atividade e uma redução gradual das pressões inflacionárias.

O que estamos vivendo agora é bem diferente. Embora os argumentos da política tarifária tenham um viés protecionista, os objetivos vão muito além do retorno das indústrias ao território americano; envolvem questões muito maiores, como competição estratégica e a segurança nacional. Trata-se, sobretudo, de uma mudança estrutural, impulsionada por uma agenda de desacoplamento gradual das redes globais de comércio e por uma percepção de que os americanos não desejam mais assumir o papel de fornecedor de segurança –no sentido estrito do termo financeiro– para o mundo de forma “gratuita”.

Os EUA não parecem dispostos a continuar a ser o porto seguro do mundo, mesmo com todos os benefícios que a posição de emissor da moeda de reserva global historicamente proporcionou, como financiamento barato e abundante.

O fato é que essas rupturas podem comprometer os ganhos de eficiência e a estabilidade financeira que sustentaram décadas de crescimento global com baixa inflação, a chamada era da “Grande Moderação”.

Somam-se a isso outros desenvolvimentos preocupantes: a politização das decisões de política monetária, o aumento da insegurança jurídica e o enfraquecimento das instituições multilaterais.

Parece que estamos, portanto, diante de um choque estrutural e de resultados ainda pouco previsíveis. A desaceleração global nos próximos anos pode, na verdade, ser o menor dos problemas.


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