Espanha e Portugal foram atingidos na segunda-feira (28) por um apagão total, deixando trens parados em túneis, trabalhadores de escritório presos em elevadores e serviços de telefonia móvel interrompidos, no maior blecaute na Europa em duas décadas.
A falha catastrófica no fornecimento de eletricidade levantou questões urgentes sobre a resiliência da infraestrutura de rede em toda a Europa, enquanto os governos correm para implementar sistemas de energia renovável e reduzir as emissões de carbono de suas fontes de energia.
A rede elétrica da Espanha entrou em colapso pouco depois das 12h30, horário local, levando consigo a de Portugal. Autoridades e engenheiros ainda estão tentando descobrir o porquê e quais implicações o apagão poderia ter para a infraestrutura energética de forma mais ampla.
O que causou os apagões?
O fornecimento de eletricidade depende de um sistema finamente equilibrado. Demanda e oferta precisam ser correspondidas segundo a segundo, e a frequência da rede —a taxa na qual a corrente elétrica alterna— deve permanecer estável para evitar danos aos equipamentos elétricos e, no pior dos casos, apagões.
Às 12h33, horário local, na segunda-feira, a frequência na rede elétrica da Espanha caiu repentinamente, do nível de 50 hertz que o operador da rede tenta manter, para 49 hertz, de acordo com a Aurora Energy Research, uma consultoria.
Uma variação maior que 0,1 hertz força muitas usinas de energia a desligarem automaticamente por razões de segurança. Qualquer perda de energia na Espanha tem um efeito imediato em Portugal, que depende fortemente de seu vizinho para o fornecimento de eletricidade.
O que desencadeou a queda da frequência em primeiro lugar ainda não está claro. Na terça-feira (29), Eduardo Prieto, diretor de serviços operacionais da operadora da rede espanhola Red Eléctrica, culpou uma perda inesperada de geração no sudoeste da Espanha, região com muitas usinas solares. Outras teorias incluem danos em cabos elétricos.
Flutuações de frequência não são incomuns, mas os operadores de rede normalmente as superam pedindo aos geradores de energia que aumentem ou diminuam sua produção, ou usando baterias.
No entanto, neste caso, não foi possível colocar capacidade adicional de geração online rápido o suficiente. A Red Eléctrica descartou um ataque cibernético.
As energias renováveis fizeram parte do problema?
Sem conhecer a causa exata da queda de frequência, é impossível dizer. No entanto, um sistema elétrico dependente de fontes renováveis como eólica e solar é mais complicado de gerenciar do que um dominado por usinas tradicionais a carvão e a gás.
As renováveis dependem do clima, mas os painéis solares não possuem as grandes turbinas que podem ajudar a manter o sistema funcionando se houver uma falha de energia em algum ponto da linha —um processo conhecido como “inércia”.
Cerca de um quinto do fornecimento anual de eletricidade da Espanha vem da energia solar, em média, mas na hora do almoço de segunda-feira, a proporção era muito maior —mais de 55%. A Aurora disse que a falta de inércia “contribuiu para a instabilidade”. Mesmo assim, as usinas nucleares e outras fontes que estavam online naquele momento deveriam ter fornecido inércia suficiente, disse Adam Bell, da consultoria britânica Stonehaven.
No entanto, apagões também podem ocorrer frequentemente em sistemas elétricos dominados por usinas tradicionais, como gás, carvão ou nuclear, devido a falhas mecânicas e técnicas.
As redes elétricas em outros países são mais resilientes?
A resiliência da rede é uma preocupação crescente em todo o mundo, à medida que os países dependem cada vez mais da eletricidade para sustentar populações crescentes e para alimentar carros elétricos, bombas de calor em residências, centros de dados e ar-condicionado.
A IEA (Agência Internacional de Energia), com sede em Paris, que aconselha governos sobre política energética, alertou na semana passada que ataques cibernéticos e mudanças climáticas poderiam representar uma ameaça crescente. Embora as renováveis reduzam a dependência de mercados voláteis de combustíveis fósseis, a transformação dos sistemas de energia “traz novos desafios”, disse a AIE.
A Grã-Bretanha implantou “volantes de inércia” de 200 toneladas, que imitam as turbinas em usinas tradicionais, para evitar problemas com instabilidade da rede. Os operadores de rede também estão usando tecnologia para tentar medir a inércia para que possam intervir quando necessário.
O maior uso de baterias, bem como cabos que importam e exportam energia para outros países, também pode ajudar a equilibrar fornecimentos intermitentes. A conexão relativamente fraca da Espanha com a França tem sido há muito tempo uma fonte de reclamação em Madri.
“Às vezes, na formulação de políticas, nos concentramos em adicionar mais energia eólica e solar, o que é ótimo. Mas você também precisa adicionar o backup”, disse Javier Cavada, diretor executivo para Europa, Oriente Médio e África da Mitsubishi Power. No entanto, sempre há um equilíbrio entre o alto custo de instalação de novos cabos e o risco.
É provável que haja consequências para a transição energética?
Os apagões na Espanha ocorrem em um momento crítico para os esforços de afastamento dos combustíveis fósseis, com alguns países vacilando em compromissos para reduzir emissões e algumas tecnologias lutando para escalar.
Mesmo que a causa dos apagões ainda não tenha sido determinada, os opositores das energias renováveis provavelmente usarão a Espanha como um conto de advertência.
Cristian Bușoi, vice-ministro de energia da Romênia, disse que a UE (União Europeia) deveria reconsiderar seu plano de acabar com o uso de gás até 2050. Mas Dan Jørgensen, comissário de energia da UE, procurou afastar tais alegações. “Uma coisa é clara: a segurança energética deve continuar sendo nossa prioridade. Conectividade, solidariedade e energia limpa produzida localmente são fundamentais para manter nosso sistema energético mais resiliente”, disse na terça-feira.
De forma mais positiva, os cortes de energia poderiam ajudar a estimular o investimento muito necessário em redes de transmissão de eletricidade para incorporar mais renováveis, e um maior foco na resiliência. “A rede tem sido considerada algo para nerds e engenheiros, mas não é o caso”, disse Javier Pamos Serrano, da Aurora. “Precisamos ter redes seguras e confiáveis daqui para frente”.
O que acontecerá a seguir?
Além das investigações em nível nacional, um funcionário da Comissão Europeia disse que provavelmente haveria uma investigação independente sobre a causa dos cortes de energia na Espanha e em Portugal, liderada por especialistas de um estado-membro não afetado. Suas recomendações seriam implementadas por Bruxelas, acrescentou o funcionário.