Três meses depois da aprovação da lei 15.088, que proíbe a importação de resíduos sólidos para o Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou o decreto 12.438 que, ao regulamentar a lei, cria 20 exceções à nova regra.
O texto gerou uma grita dos movimentos de catadores de materiais recicláveis e sua mobilização pela revogação do decreto, que eximiu da proibição alguns tipos de caco de vidro, de PET, de papel e papelão, de borracha e de metais considerados estratégicos.
“Fomos pegos de surpresa”, diz Aline Souza, presidente da Centcoop, que passou a faixa presidencial a Lula durante a cerimônia de posse em janeiro de 2023. “O decreto representa um retrocesso de toda a luta que a gente teve no governo Lula 3 porque desvaloriza o produto nacional”, afirma.
“Queremos que o governo revogue o decreto, que não foi discutido de forma ampla e atendeu apenas a uma parte do setor que não está investindo na estruturação da cadeia da reciclagem e quer maquiar a logística reversa através da importação desses recursos”, diz a catadora. “Sei que coloquei a faixa no Lula e que esse decreto é uma contradição. Mas a gente entende que não foi passado para o presidente o impacto para os catadores.”
No dia seguinte à publicação do texto, recicladoras de PET enviaram a cooperativas informes de que o preço deste material seria reduzido em R$ 0,70. Hoje, o quilo do PET para reciclagem é comercializado a um valor médio de R$ 4, com grandes variações regionais. “É o decreto da fome”, diz Roberto Rocha, presidente da Ancat (Associação Nacional dos Catadores).
Em Brasília, as lideranças dos movimentos de catadores foram recebidas às pressas em reunião de emergência pelo ministro da Secretaria-Geral da República, Márcio Macêdo, e representantes do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e da Casa Civil na última quinta-feira (24). Uma nova reunião extraordinária foi marcada para a próxima segunda (5).
Segundo Adalberto Maluf, secretário nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental, deve ser feito um aperfeiçoamento do decreto. “Temos a opção de revogar o decreto, revogar a lista dos anexos [as exceções à proibição] ou retirar dela o que os catadores pediram: vidro, plástico, papel e papelão.”
Desde o ínicio do governo, o presidente afirma que catadores de materiais recicláveis serão tratados como cidadãos de primeira classe, com o anúncio de incentivos para a reciclagem e para cooperativas de catadores de R$ 400 milhões.
O Brasil é um dos maiores geradores de resíduos do mundo, com cerca de 80 milhões de toneladas produzidas por ano. Apenas 8% disso é reciclado, segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos de 2024. O restante é enterrado em aterros sanitários ou vai parar em um dos cerca de 2.000 lixões que existem no país.
O principal gargalo da reciclagem é a coleta seletiva e a triagem, de responsabilidade das gestões municipais. Sem investimento nelas, o material reciclável não chega às indústrias recicladoras, que operam abaixo de sua capacidade.
Representantes de setores cujos materiais constam do decreto, no entanto, defendem as exceções.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria PET (Abipet), o decreto permite a importação de um tipo de floco limpo que é considerado como matéria-prima virgem pela Receita Federal brasileira. “Num momento de escassez no Brasil, alguns importadores buscam esse material fora para não parar a produção”, afirma Auri César Marçon, presidente da Abipet.
Ele afirma que, em 2024, foram importadas 37 mil toneladas deste material, enquanto o Brasil reciclou 410 mil toneladas de PET. E diz que as grandes recicladoras não vão reduzir o preço por causa do decreto.
Para Lucien Belmonte, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro), o tipo de vidro que teve importação autorizada representou nos últimos anos menos de 5% das 360 mil toneladas de vidro recicladas no país. “Esse caco de vidro incolor ainda é muito difícil de obter no Brasil, e a demanda por ele cresceu. Não estamos pedindo que vire a festa do caqui”, afirma.
O vidro é o único material cuja logística reversa está atualmente regulamentada por decreto, com metas de reciclagem e de utilização de material reciclado em novos produtos. “Pedimos ao MDIC um trabalho conjunto com as cooperativas para que sejam capazes de entregar esse material na mesma qualidade que existe fora do país, e vamos trabalhar para isso.”
“Não podemos dizer que falta material para reciclagem no Brasil, mas que falta infraestrutura e investimentos para um sistema eficiente de coleta e triagem, com inclusão dos catadores, capaz de atender à indústria recicladora e diminuir a quantidade de resíduos que enterramos todos os anos”, diz Dione Manetti, presidente do Instituto Caminhos Sustentáveis e responsável técnico pelo Anuário da Reciclagem.