O governo federal cedeu à pressão de organizações de catadores de materiais recicláveis e editou um novo decreto que estabelece limites e cotas para a importação de resíduos pela indústria recicladora brasileira, além de incluir neste processo decisório consulta ao Comitê Interministerial para Inclusão Socioeconômica de Catadoras e Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis (CIISC).
O decreto revogou a medida (12.438/25) adotada do último dia 1 —apelidada de “decreto da fome”—, que abriu uma crise entre catadores e governo Lula 3 ao autorizar a importação de alguns tipos de caco de vidro, PET, metais, papel e papelão três meses depois da aprovação da lei 15.088, que proibiu a importação de resíduos sólidos para o Brasil.
Movimentos de catadores foram pegos de surpresa pela medida e reivindicaram a revogação do texto e sua participação na elaboração de um novo decreto. Depois de uma série de reuniões com representantes dos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e do Meio Ambiente (MMA), da Casa Civil e da Secretaria Geral da Presidência, o governo decidiu pela revogação do texto e elaboração de novo decreto sobre o tema.
O governo estima que o novo decreto —que estabelece critérios técnicos, econômicos e ambientais para a importação— possa reduzir em mais de 90% a importação de materiais que, na prática, significam perda de renda dos catadores brasileiros.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu a faixa presidencial deste seu terceiro mandado da catadora Aline Souza, presidente da Centcoop e declarou que, em seu governo, “os catadores são tratados como cidadãos de primeira classe”.
“O decreto anterior foi um erro conjunto desses ministérios e órgãos de governo, e empurrava os catadores ladeira abaixo ao beneficiar as indústrias recicladoras que alegam que não temos material suficiente no país para suprir a sua demanda”, afirma Telines Basilio do Nascimento Junior, 59, o Carioca, presidente da Coopercaps, uma das maiores cooperativas de catadores de materiais recicláveis do país.
“Material, nós temos. Só que não o beneficiamos. O que faltam são leis para que haja uma porcentagem cada vez maior de material reciclável em novos produtos, o que aumenta a nossa demanda”, completa ele, que também é o atual diretor-presidente da Conatrec (Confederação Nacional das Cooperativas de Reciclagem)
Apesar de celebrar o novo texto, Carioca diz continuar preocupado. “O artigo 8º do novo decreto afirma que serão definidas por portaria as porcentagens de materiais que ainda poderão ser importados. Temos que participar e sermos ouvidos nesse processo.”
Para Roberto Rocha, presidente da Ancat (Associação Nacional dos Catadores), avalia que o novo texto é “mais democrático” porque inclui as organizações de catadores no grupo de trabalho criado com o CIISC para discussão do tema.
Nos próximos dias, o governo vai editar uma portaria com a lista dos materiais que terão importação permitida e quais deles serão limitados por cotas, a serem estabelecidas pelo Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (GECEX) após consulta ao Fórum Nacional de Economia Circular e ao CIISC.
“Esse vai ser um debate duro que vamos travar. Mas pelo menos será um debate mais democrático”, avalia Rocha. “Estamos aguardando a portaria do governo para ver quais serão os itens autorizados. E vamos discutir qual vai ser a régua para eles para que chegue um momento em que não se importe mais nada, e os catadores alimentem a indústria sem precisar de lixo de fora.”
A opção por uma portaria para a definição da lista de materiais e de eventuais cotas é para facilitar ajustes futuros. “É uma lista dinâmica em que se verificam as novas necessidades e são feitos ajustes técnicos ao longo do tempo sem o trâmite mais complexo de um decreto”, explica o secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco.
A primeira versão do texto da portaria deve sair ainda hoje do MMA para as demais pastas e órgãos envolvidos no decreto e deve contemplar os pedidos feitos ao grupo pelas organizações de catadores. Com isso, a importação de um tipo específico de PET (em flakes), permitida no decreto anterior, pode ficar de fora.
“Entendo a decisão do presidente mas nossa avaliação é que simplesmente proibir pode piorar a situação”, diz Auri César Marçon, presidente da Abipet (Associação Brasileira da Indústria PET). “Se continuarmos com déficit de abastecimento, colocamos toda a operação de reciclagem em risco. Há recicladores que ficam com 40% de ociosidade nesta época do ano”, alerta ele, que diz ter levado propostas a todos os órgãos de governo envolvidos nesse trâmite.
O novo decreto também proíbe que operações de importação de resíduos utilizem os Certificados de Crédito de Reciclagem de Logística Reversa, os Certificados de Estruturação e Reciclagem de Embalagens em Geral e os Certificados de Crédito de Massa Futura. Tais instrumentos têm emissão restrita aos resíduos gerados em território nacional.
“Seria um absurdo que alguém recebesse esses créditos com resíduos importados, então o novo decreto também proíbe isso e reafirma que a importação fora das diretrizes da lei e do decreto incorre na lei de crimes ambientais, para deixar clara a responsabilidade dos importadores”, completa o secretário-executivo do MMA.