O cardeal Prevost chamou-se papa Leão 14. Para quem tenha lido história na escola ou que seja um católico que se ocupe um pouco de doutrina, logo deve vir à mente a figura de Leão 13 (1878-1903), mais conhecido pela encíclica Rerum Novarum (1891). O documento fundou a doutrina social da igreja. Foi motivado pela “era das revoluções”, pelo conflito entre capital e trabalho.
Pode ser um sinal, entre tantos outros que podemos ler especulativamente na história de vida do papa, em sua formação intelectual, em sua prática pastoral e em sua eleição rápida.
O papa é um peruano de origem americana, fala espanhol, viveu quase 20 anos no Peru. Foi pastor do mundo pobre, da América do Sul, de onde saem ou saíam tantos migrantes para os Estados Unidos. Imigrantes, refugiados, o nome que se dê, estão entre as pessoas mais danadas da terra, ainda mais agora, sob Donald Trump, o flagelo de Deus.
Leão 14 é um agostiniano, o que lembrou em seu primeiro discurso, de uma ordem dedicada ao serviço social e à educação. Graduou-se em matemática e é doutor em direito canônico, que estudou em faculdade fundada justamente por Leão 13.
Leão 13 condenava o socialismo, o anarquismo e o capitalismo individualista, embora a Rerum Novarum seja mais complicada do que isso.
Esse papa tentava fazer a igreja conversar com um mundo do qual estava muito apartada, mas também condenava a torrente de laicização. Era uma igreja alienada da história, em especial desde o Iluminismo, com influência decadente por isso também.
Lembre-se de passagem que, logo no seu primeiro trecho, a Rerum Novarum fala da “…influência da riqueza nas mãos dum pequeno número ao lado da indigência da multidão…”. Enfim, Leão 13 foi um papa que quis reconciliar a igreja com a comunidade dos cientistas, um intelectual e um diplomata. Leão 14 se torna papa neste mundo cada vez mais inimigo da ciência e da paz.
É um sinal? Certamente, o agora papa Leão 14, não pensou em Leão 12 (1823-1826), um nobre conservador e antissemita. Não pensou em Leão 11, um papa Medici que durou um mês (1605). Ou em Giovanni, Leão 10, outro Medici, feito cardeal aos 13 anos, papa de 1513 a 1521. Ou em Leão 9 (1048-1049), feito santo, mas perdido na fumaça turva da história, como Leão 3, que coroou Carlos Magno no ano 800.
Não se chamou João 24, João Paulo 3, Francisco 2 e muito menos Pio ou Bento. Sim, a lista serve para dizer que adoção do nome Leão deve ter alguma relação com o 13º dos Leões.
Seria também importante prestar atenção nas breves primeiras palavras de Leão 14, embora no primeiro discurso o nosso irmão Robert Prevost devesse também estar perturbado pela eleição recente, como infalivelmente humano que é.
Tratou muito de “pontes”. De “construir pontes com diálogo e encontros, de modo que possamos ser um só povo sempre em paz”. De “caminhar juntos como uma igreja unida em busca de paz e justiça, trabalhando juntos, homens e mulheres” (o lema dos agostinianos é “uma só alma e um só coração para Deus”); de “igreja missionária, a construir pontes, diálogo, sempre a receber todo mundo de braços abertos”.
Importante: “queremos ser uma igreja sinodal” (isto é, menos centralizada, mais aberta às conversas e consultas na base da igreja, simples fiéis inclusive, na linha de Francisco). Sínodo. Trabalho pastoral. Nova abertura para o mundo, mas sem ultramundanismo. Pareceu assim o novo papa.