A INB (Indústrias Nucleares do Brasil), estatal federal responsável pela produção do combustível nuclear que abastece as usinas de Angra dos Reis (RJ), está no centro de uma série de gravações ilegais e vazamento de informações institucionais da empresa, atos que envolvem diretamente o seu presidente, Adauto Seixas.
A Folha teve acesso a uma série de documentos, além de mensagens de texto e áudio, que revela perseguições e divulgação irregular de questões administrativas da estatal. Os fatos, ocorridos entre 2023 e 2024, foram levados à Polícia Civil, por meio de boletim de ocorrência registrado por uma servidora. Um procedimento foi aberto junto ao Ministério Público do Trabalho, além de o caso ter sido levado à ouvidoria e Comissão de Ética da INB.
Nos registros, a servidora concursada da INB, que preferiu não ter seu nome divulgado, apresenta situações nas quais foi alvo de perseguições por parte da mulher de Adauto Seixas, Josiana Alves. A reportagem confirmou o teor dos documentos. O histórico de mensagens e ameaças inclui o acesso de Josiana a emails institucionais da INB, comentando temas de interesse da empresa.
Por meio da assessoria da INB, a reportagem questionou Adauto Seixas e Josiana Alves sobre o assunto. A esposa do presidente da estatal não se manifestou. Seixas respondeu por meio da própria INB e diz ser vítima de perseguição.
As ameaças, segundo a servidora da INB, tiveram início após a gravação ilegal e vazamento de uma conversa que ela teve com Adauto Seixas, na empresa, em maio de 2023, quando ele estava prestes a assumir o comando da estatal. Seixas, que também é servidor de carreira, havia sido diretor de recursos minerais da INB.
Após as denúncias à ouvidoria da estatal feita pela servidora, os emails e ligações que recebia na empresa cessaram, mas voltaram à carga no ano passado. Em junho de 2024, após enviar uma mensagem profissional a contatos internos da empresa, incluindo a presidência, na qual sugeria melhorias na divulgação de um simulado de emergência em uma das barragens da INB, ela passou a ser alvo de novos ataques pela esposa do presidente da estatal, conforme relatou oficialmente.
“Enviei email de cunho profissional a contatos internos da empresa, sugerindo melhorias nos releases. Como a gerência que recorri está ligada diretamente à presidência da INB, coloquei o email corporativo da presidência”, declarou a servidora, em documento enviado à ouvidoria da Enbpar, estatal que controla a INB.
“Sofri ataques gratuitos, além de ameaças de monitoramento constante dentro da INB. Diante da gravidade dos novos fatos apresentados, diante da inércia dos órgãos internos em me proteger de ataques de terceiros não ligados diretamente à INB, submeto ao conhecimento da EnbPar a perseguição que venho sofrendo em meu ambiente de trabalho”, escreveu.
À Folha, a servidora confirmou o teor de todas as informações, mas não quis comentar o assunto e disse que aguarda decisões das instâncias que acionou.
“A empresa tomou conhecimento da situação por meio dos canais institucionais e, em atenção aos princípios da legalidade e da transparência, encaminhou os relatos aos órgãos competentes, incluindo a Ouvidoria, a Comissão de Ética e a Corregedoria da Enbpar”, afirma o presidente por meio de nota da empresa.
A INB declarou que “a vítima era o atual presidente da INB, tendo sido inclusive perseguido em outras oportunidades” e que “o objeto da denúncia já foi devidamente apurado internamente e encaminhado aos órgãos externos competentes”.
A INB também afirmou que não compactua com qualquer forma de assédio, ameaça ou conduta incompatível com o serviço público e que seguirá colaborando com os órgãos de controle para total esclarecimento dos fatos.
“Quanto a eventuais conteúdos de caráter pessoal compartilhados em meios institucionais, a empresa também instaurou processo de apuração interna, respeitando o devido processo legal e direito de todas as partes envolvidas, bem como encaminhou para as autoridades externas competentes”, declarou.
A Enbpar declarou que “os conteúdos foram direcionados à Corregedoria da empresa, área responsável para conduzir procedimentos investigativos das denúncias, que já instaurou processo administrativo de investigação preliminar, com caráter restrito”.
O Ministério de Minas e Energia, ao qual a INB é vinculada, declarou que “não teve conhecimento da situação detalhada no questionamento” enviado pela reportagem.
Como revelou a Folha, o presidente da INB, Adauto Seixas, aderiu ao Plano de Demissão Voluntária (PDV) da estatal federal no fim do ano passado e, ao mesmo tempo, manteve-se no cargo de comando da empresa, o que é vedado pelo regimento da própria INB.
Outra movimentação feita por Seixas como presidente da INB permitiu que ele recebesse, em fevereiro deste ano, um valor total de R$ 43.086,96, referente a um pagamento retroativo de auxílio moradia, relacionado a um período em que ele –que vive em Poços de Caldas (MG)– mudou-se para o Rio de Janeiro, onde a INB tem escritório. Conforme informações obtidas pela reportagem, Seixas é proprietário de um imóvel no Rio Janeiro, um apartamento localizado em Copacabana.
Ele nega irregularidades sobre a adesão ao PDV e o recebimento retroativo de auxílio-moradia.