Era o almoço de domingo do Dia das Mães, em 11 de maio de 2008. O empresário Antônio Carlos Pipponzi, presidente da Droga Raia, uma das maiores redes de varejo farmacêutico do país, fundada em 1905 por seu avô materno, o imigrante italiano João Baptista Raia, aproveitou a reunião da família ao redor da mesa para um comunicado: era preciso que todos contribuíssem financeiramente para que a empresa não desse um calote, o primeiro da sua história.
No ano anterior, a Droga Raia havia contraído um empréstimo gigantesco, a fim de financiar uma rápida e ousada expansão (das costumeiras 12 lojas inauguradas por ano, saltou para 48), com o objetivo de preparar a empresa para a abertura de capital na Bolsa. O plano acabou não se concretizando, pela piora das condições de mercado, em meio à crise do subprime nos Estados Unidos, e naquele momento era preciso pagar a segunda parcela dos juros da dívida. Mas não havia geração de caixa suficiente.
Os integrantes da família reuniram suas poupanças para pagar a dívida, que já venceria no dia seguinte. O próprio Pipponzi deu tudo o que tinha. Felizmente, um empréstimo obtido no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), já aprovado, mas não liberado, saiu pouco depois. E logo em seguida Pipponzi vendeu uma parte da empresa para o fundo de investimentos Pragma (dos fundadores da Natura), que se associou ao fundo Gávea e ficou com 30% da Droga Raia.
“A inovação é glamourosa, ela te provoca e tudo faz sentido, você fala: Vamos caminhar!’ Só que o meu grande erro foi aceitar a inovação fora do timing. Foi o pior erro da história da Raia”, disse Pipponzi em entrevista à Folha, referindo-se à ideia de tentar a abertura de capital no momento errado.
O empresário conta a história no livro “Transitando entre Gerações –A História Centenária de uma Pharmacia que se Transformou na Maior Rede de Farmácias do Brasil” (Citadel Grupo Editorial), recém-lançado.
Em 2011, a Droga Raia se uniu à Drogasil, dando origem à Raia Drogasil, que agora se chama grupo RD Saúde, líder do varejo farmacêutico nacional. Pipponzi deixou então de ser presidente da Droga Raia para se tornar presidente do conselho de administração (chairman) da Raia Drogasil. Hoje, aos 72 anos, acaba de deixar o posto para se dedicar a projetos pessoais, como a mentoria de empreendedores e executivos, embora continue como membro do conselho e atuante em três comitês —de estratégia, pessoas e expansão. “Esse é o meu preferido”, diz. “Já conheci 600 municípios, de todos os estados do país.”
Ao lhe ser perguntado se foi difícil deixar a posição de chairman para ser um membro do conselho, Pipponzi responde que não tem mais apego ao poder. “Isso desapareceu”, diz. “O problema foi lá atrás [na época da fusão], quando deixei de ser CEO, posição que eu ocupei por 35 anos, para me tornar presidente do conselho, algo que eu nunca tinha feito antes”, afirma.
Segundo ele, um presidente-executivo fica mais próximo das pessoas. “O poder é uma coisa envolvente, todo o mundo gosta de ter poder, desde que ele seja conquistado. Eu tive o prazer de exercer uma liderança inspiracional: quando me tornei CEO, a empresa tinha 120 funcionários. Quando saí, tinha 10 mil. Dá uma ciumeira de pensar: ‘E agora, quem vai cuidar dessas pessoas?’. Senti um vazio muito grande.”
Pouco depois de começar a trabalhar na rede, ao final dos anos 1970, Pipponzi foi responsável por uma grande inovação: a automatização do estoque das sete lojas de então, com a introdução do primeiro computador.
“Em razão de prazos mais longos para pagamento, as compras eram feitas de maneira excessiva, o que ocasionava um acúmulo exagerado de estoques. Combinado com uma quantidade enorme de perdas, isso causava impacto direto na geração de caixa. Os nossos lucros ficavam praticamente retidos nas prateleiras”, relata no livro. Com o computador, a gestão do estoque de cada produto saiu da alçada dos gerentes de loja para ser coordenada pela matriz.
Já na metade dos anos 1980, ele implantou na rede os terminais PDV (ponto de venda), em substituição às tradicionais caixas registradoras.
Pipponzi sente que perdeu um pouco o controle da situação no momento em que trouxe para a direção da empresa a quarta geração da família, formada então pelos sobrinhos, filhos dos irmãos mais velhos do empresário —Franco e Rosalia, todos descendentes de Arturo Pipponzi, também imigrante italiano, genro de João Raia, que resgatou a drogaria de um fim iminente quando o sogro morreu, sem ter preparado a sua sucessão.
Em 1966, uma época sem regras de governança, não havia distinção entre a remuneração de herdeiros e de executivos, assim como a dos próprios executivos. “Muitas vezes, os conflitos mais estressantes vinham das pequenas coisas”, diz ele, como retiradas desproporcionais de mercadorias em lojas e o uso de funcionários da empresa para serviços pessoais. Arturo conversou com a família da esposa, Ada, e os negócios acabaram separados: ele ficou com a empresa, que foi reduzida a três filiais. As outras oito acabaram sendo vendidas pela família.
Já entre os três filhos de Arturo não havia disputas: Pipponzi ficou com a diretoria-executiva, enquanto Franco cuidou das áreas comercial e logística, e Rosalia, do pessoal e institucional.
Mas, ao final dos anos 2000, os irmãos de Pipponzi se retiraram e oito sobrinhos chegaram. Era um time que tinha sido cuidadosamente preparado para assumir o negócio da família: cada um se formou em uma faculdade de primeira linha, trabalhou três anos em uma empresa no Brasil, fez um ano de estágio na Droga Raia e um mestrado fora do país. “Eles tinham as novidades, mas eu representava o legado”, diz Pipponzi, a respeito da ideia de abrir o capital. “Até então, nossa expansão sempre havia sido bancada com recursos próprios.”
Contornado o problema da dívida, a oferta pública inicial (IPO) da Droga Raia aconteceu em dezembro de 2010, com louvor. Três meses depois, chega a proposta de união com a Drogasil, que já era líder de mercado. Pipponzi afirma que os interesses da empresa se sobrepuseram aos seus, mas a decisão não foi fácil.
“Como seria interromper um sonho de liderar uma empresa com altíssimo potencial de ser a grande consolidadora do mercado? Como seria meu futuro afastado da empresa que representava parte da minha vida?”. Na Drogasil, de capital aberto, os membros da família já estavam no conselho, e a gestão era profissionalizada.
Na nova companhia, Pipponzi se tornou chairman, posição que ocupou nos últimos 13 anos, período em que desenvolveu habilidades que não tinha até então, como “conciliação e diálogo”.
“Quando você é CEO, a tua palavra é a última. Você é o dono da verdade. Você ouve menos. Muitas vezes, você entra numa reunião e já sabe como quer que ela acabe.”
Transitando entre gerações – A história centenária de uma pharmacia que se transformou na maior rede de farmácias do Brasil
Preço: R$ 69,90
Autoria: Antonio Carlos Pipponzi
Editora: Citadel Grupo Editorial