Depois de vencer a Copa do Mundo, Hugo Calderano viu seu nome estourar para fora da bolha do esporte.
Algo parecido havia acontecido em 2024, quando o brasileiro chegou às semifinais das Olimpíadas. Desta vez, porém, há menos de um mês, a euforia foi além, pois ganhou o torneio de forma épica, superando em sequência os atletas que ocupavam as três primeiras posições do ranking. Hoje é ele o terceiro colocado.
A conquista foi a volta por cima após a melhor campanha de um jogador não asiático ou não europeu em Jogos, que no entanto terminou de forma melancólica, sem a conquista de uma medalha. Na semana que vem, a partir do dia 17, Calderano disputará o Campeonato Mundial, neste ano realizado em Doha, no Qatar.
De Ochsenhausen, na Alemanha, onde vive, o brasileiro falou com a Folha sobre as recentes mudanças na carreira e a maneira como vê o domínio da China. “Não é de um dia para o outro que os chineses deixarão de ganhar as competições, mas de repente em vez de uma vez a cada 10, 20 anos será a cada dois”, diz ele.
A conversa foi editada no formato de perguntas e respostas, conhecido no jornalismo como pingue-pongue.
Logo após conquistar a Copa do Mundo, ainda na arena, você deu uma entrevista muito franca, na qual disse que um mês antes da competição estava muito mal. O que passava na sua cabeça nesse período?
Depois das Olimpíadas não foi fácil. Tive uma baixa na motivação, toda a minha equipe técnica mudou, os meus parceiros de treino também mudaram, muitas mudanças aconteceram. Ao mesmo tempo, sabia que essa motivação voltaria, que eu precisava continuar firme. Tentava viver mais no presente, focar o próximo torneio. Nada grave, só não tinha tanta motivação e tanta vontade de me preparar quanto geralmente tenho.
É claro que você tem dúvidas sobre o que vai acontecer na carreira, mas sempre tive a confiança de que, se eu colocasse a minha mente 100% no tênis de mesa de novo, eu voltaria a jogar da melhor forma possível.
Olhando para Paris, nos jogos da semifinal e da disputa do bronze, qual a avaliação do que deu errado?
A gente não precisa achar explicação, o meu adversário ganhou os pontos importantes naquele momento e pegou a vantagem. Aconteceu dessa vez, mas em outros jogos consegui a virada, isso faz parte do esporte, foi mérito do sueco na partida. Ele jogou o melhor nível da vida dele durante as Olimpíadas, e eu também fiz uma grande campanha nos Jogos. É claro que o jeito daquele primeiro set foi um pouco chato, mas quando você chega à semifinal sempre serão quatro caras muito fortes, e alguém vai ter que ficar de fora do pódio.
Na Copa do Mundo foi o inverso. Virou na semi um placar de 3 a 1 para o Wang Chuqin, o atual número 2.
Naquele momento foi importante manter a energia bem alta, porque seria muito fácil pensar “ah, beleza, cheguei à semifinal, tô com uma medalha na Copa do Mundo, vou continuar jogando e, se não der, não deu”. Mas segui acreditando que eu reverteria o placar e pensei muito no presente, tentando encontrar soluções, variando mais, porque num jogo de sete games uma tática só não é suficiente contra um cara desse nível.
Você fala mandarim. Teve alguma conversa com os chineses sobre os jogos depois que você venceu?
Os atletas chineses são mais fechados, ficam mais entre eles. De vez em quando a gente se cumprimenta, e depois da final eles deram parabéns, mas não teve muita conversa. Mesmo com atletas de outros países a concorrência é muito alta, então a gente… Eu, pelo menos, não vou me abrir para os meus adversários. Eu tenho um grupo muito seleto com quem converso de coisas mais profundas sobre o tênis de mesa.
Quem são essas pessoas?
A minha equipe até Paris, o [técnico cubano-brasileiro Francisco Arado] Paco, o [técnico] Thiago [Monteiro] e, entre jogadores, o Vitor Ishiy, o único com quem me abro 100%. Com ele posso falar tudo o que eu sei.
Há uma discussão, principalmente depois da sua vitória na Copa do Mundo, sobre um domínio mais frágil dos chineses. Qual é a avaliação que você faz da atual geração de jogadores do país?
A geração anterior, de Ma Long, Fan Zhendong, Zhang Jike e até Xu Xin, dominou muito. Sem dúvida foi a melhor geração da China, e o que aconteceu foi uma mudança muito rápida. Wang Chuqin tem 24 anos, [o atual número 1 do ranking] Lin Shidong tem 20, e eles já têm essa responsabilidade de serem os caras, de serem o número um. Geralmente a transição é feita de forma mais gradual. E o nível do resto do mundo subiu muito. Há dez anos, eram cinco caras que tentavam brigar e ganhavam uma vez ou outra. Cinco anos atrás, esse número subiu talvez para dez. No top 30, acho que quase todos já ganharam de um chinês top.
Vitórias como a da Copa do Mundo se repetirão mais vezes ou o domínio continuará com os chineses?
O domínio continuará, eles ainda são os melhores, ganham a maioria das competições, dominam o ranking mundial, mas essas vitórias podem ser mais frequentes. Não é de um dia para o outro que os chineses vão deixar de ganhar as competições, mas de repente em vez de uma vez a cada 10, 20 anos será a cada dois.
O que te fez romper a parceria de 15 anos com a sua equipe técnica?
Não foi uma decisão tomada após as Olimpíadas ou por causa das Olimpíadas, a gente já vinha sentindo que era um bom momento. E não foi só eu quem decidiu romper, foram as duas partes. Não teria chegado tão longe sem o apoio deles, mas era hora de mudar. Na Copa do Mundo rolou bem com o Thiago Monteiro, o técnico da seleção brasileira, então a gente vai continuar com essa parceria em algumas competições.
De repente é bom ir para uma competição com um treinador e para outra com outra pessoa que consiga me acompanhar, mas ainda estou nesse processo de reconstruir a minha equipe, e é mais importante eu levar o tempo necessário para definir do que tomar decisões equivocadas por querer decidir muito rapidamente.
Quem será o seu técnico no Mundial?
O Thiago vai como técnico da seleção, mas quem ficará comigo será o Paco, que era o técnico da seleção até Paris, e isso já estava combinado bem antes. Tenho certeza de que ele pode me ajudar neste ciclo.
Você também vai deixar de jogar pelo Liebherr Ochsenhausen, na Alemanha, ainda que o anúncio da saída diga que você continuará treinando nas instalações do clube. Por que então parar de atuar pela equipe?
Na verdade eu não decidi ainda se vou continuar [treinando] aqui. No início vou ao menos manter uma base. Mas em relação à liga, esse ano pós-Jogos foi bem cansativo, participei de muitas competições, e gostaria de ter mais tempo para descansar. Sempre que voltava de torneios tinha jogo da liga alemã. Ok, fui eu quem escolheu isso, porque queria terminar bem com o clube, trazer títulos, e neste ano até tive mais motivação para atuar pelo Ochsenhausen. Já ganhamos a Copa da Alemanha e agora estamos na final da Bundesliga.
Fiz uma temporada excelente, mas ao mesmo tempo isso tudo é muito cansativo, queria mais tempo para ter mais liberdade, me concentrar nos treinamentos ou passar mais tempo no Brasil. Sempre foi importante voltar ao Brasil e fazer minha preparação. Passar duas semanas lá pode me ajudar na temporada inteira.
Você é muito discreto e, nas redes, na maioria das fotos aparece de uniforme, não se vê muitos registros da sua vida privada. Só que, devido à exposição nas Olimpíadas e na Copa do Mundo e ao namoro com [a também mesa-tenista] Bruna Takahashi, as pessoas querem saber mais de você. Como lida com isso?
É natural, e até agora não chegou a um caso extremo. Entendo que as pessoas queiram ter mais acesso ao que eu faço no meu tempo livre, como eu sou, mas não é uma coisa pensada, de ser um cara misterioso ou que não quer mostrar nada. Eu gosto de viver no presente, com as pessoas que estão na minha vida, e não vem à minha cabeça pensar algo como “isso daqui preciso mostrar”. É mais a minha personalidade mesmo.