O título deste artigo é intencionalmente provocativo, mas eu me valho do precedente de Francis Fukuyama e seu “O fim da história e o último homem” (por sua vez, inspirado em Hegel). Na verdade, assim como a história não acabou em torno de 1992, quando o livro foi escrito para explicar a vitória do modelo democrático-liberal sobre as ideologias políticas, os litígios tributários também não deixarão de existir. O que pretendo neste brevíssimo artigo é lançar uma hipótese, aberta a novas reflexões, de que atingimos o ápice da judicialização tributária e que, com a reforma tributária em curso, desponta um novo paradigma de disputas fiscais.
Primeiro, uma premissa técnica: IBS e CBS serão tributos sujeitos à não-cumulatividade plena, desenhados para evitar que o ônus tributário fique retido nos intermediários da cadeia (resíduos) e, se bem aplicados pelo método subtrativo de imposto contra imposto, farão com que o ônus incida, em tese, somente sobre o adquirente final. Ou seja, cada empresa repassa (pass through), em adição ao preço de venda, o IBS/CBS calculado sobre o valor da operação, de modo que o tributo recolhido em cada etapa é só a diferença entre o tributo cobrado do adquirente e tributo pago pelo fornecedor. Ao final, a soma dessas diferenças corresponderá ao IBS/CBS incidente sobre o preço de venda ao consumidor final.
Uma característica do IBS/CBS permitida pela Constituição (art. 156-A, §5º, II) —e aproveitada pelo legislador (art. 47 da LC 214)— é que o crédito está vinculado ao recolhimento dos tributos pelo fornecedor. Somente isso já potencializaria a conformidade tributária, pois incentiva adquirentes a fiscalizarem seus fornecedores. O legislador, cumprindo a condição constitucional para que essa vinculação entre créditos e débitos seja aplicável, foi além e criou a figura do split payment (art. 31 da LC 214), que automatiza o recolhimento dos tributos nas transações de pagamento processadas por meio eletrônico e tende a reduzir ainda mais o hiato de conformidade.
Bom, e o contencioso?
Até agora o debate sobre o contencioso está concentrado basicamente em dois grandes temas: regras para o contencioso administrativo, no PLP 108, que precisam de importantes ajustes, e ausência de regras para a judicialização, desafiada pela nova lógica de tributação no destino, que desloca a competência para a jurisdição do consumo.
Ocorre que um artigo da LC 214 vem sendo relativamente negligenciado no debate e é ele que, ao nosso ver, sinaliza o “fim do contencioso”: art. 38. Quem nos chamou atenção para a sua importância foram os professores Tarsila Fernandes, Pedro D’Araújo e ministro Gurgel de Faria, em artigo de obra coletiva sobre a reforma.
Determina o art. 38 que a restituição de IBS/CBS só cabe ao contribuinte quando a operação não gerou crédito fiscal ao adquirente subsequente e —destaque para a exigência combinada— tiver sido cumprido o procedimento previsto no art. 166 do CTN (restituição somente a quem comprovar ter suportado o ônus do tributo ou quem tiver autorização expressa de quem de fato o suportou).
A leitura desse artigo 38 com a premissa técnica acima parece coerente. Se os tributos serão economicamente suportados exclusivamente pelo consumidor final, graças à não-cumulatividade plena, eventuais pagamentos indevidos deveriam ser a ele restituídos. E se todo crédito apropriado pelo adquirente nasce na exata medida do recolhimento pelo fornecedor, qualquer restituição ao fornecedor deveria resultar no estorno do crédito do adquirente.
Mas a aparente coerência técnica merece ponderações igualmente técnicas.
Primeiro, é preciso compreender em que medida o novo sistema será plenamente não-cumulativo. Os regimes específicos, por exemplo, poderão gerar resíduos no sistema. Além disso, nem sempre as operações gerarão créditos para os adquirentes, mas ainda assim permitirão manutenção de créditos de operações anteriores pelo fornecedor, a exemplo das albergadas por alíquota zero.
Segundo, o chamado pass through é uma regra absoluta ou, economicamente, é possível demonstrar que, em certas condições de mercado, parte do IBS/CBS é suportada pelo fornecedor, deduzido de sua margem de lucro?
Terceiro, e mais importante: ao nosso ver, em um país propenso a produzir arbitrariedades, sabendo que as empresas intermediárias estarão desmobilizadas para o contencioso, por ausência de interesse econômico, administrações tributárias poderão regular ou interpretar IBS/CBS de modo ilegal, confiando na dispersão da ação coletiva e garantindo aumentos de arrecadação. Seria uma porta para “inconstitucionalidades úteis”, agora sob nova roupagem.
Se, de um lado, busca-se evitar o enriquecimento sem causa da empresa, representado pela restituição de IBS/CBS indevido sem atender ao art. 38 da LC 214, pode-se acabar gerando um significativo incentivo ao enriquecimento sem causa do Estado, por meio de cobranças ilegais, que poderão ocorrer sem resistência. Afinal, consumidores finais —ou “contribuintes de fato”— espalhados pelo Brasil normalmente terão interesses econômicos pequenos demais ante os custos de acesso à justiça.
A reforma inaugura um modelo jurídico que, como demonstramos com Thais Shingai e Vanessa Canado, em pesquisa no Insper, tem potencial para reduzir drasticamente novos litígios. Além disso, como decorrência da não-cumulatividade plena, impacta nos incentivos econômicos ao litígio. Essas mudanças são positivas para o desenvolvimento do país. É preciso, porém, assegurar mecanismos eficazes e economicamente viáveis de reação contra cobranças ilegais.