Mudanças nos hábitos dos torcedores, regulamentações financeiras mais rígidas e um fluxo de novos proprietários com experiência no esporte americano estão provocando uma reavaliação sobre como os estádios de futebol devem parecer, sentir e operar.
O esporte mais popular do mundo está experimentando um boom de construção com o objetivo de fazer com que as pessoas passem mais tempo nos locais, gastem mais dinheiro enquanto estão lá e compareçam com mais frequência.
Times da Premier League estão em processo de adicionar mais de 100 mil assentos, vários dos maiores clubes da Itália estão planejando novos estádios, e ambos os gigantes do futebol espanhol, Real Madrid e Barcelona, investiram centenas de milhões de euros em enormes projetos de renovação de estádios.
O impulso para a onda de construção é parcialmente motivado por mudanças nas regulamentações financeiras introduzidas pela Uefa, órgão que comanda o futebol europeu, e várias ligas domésticas.
No passado, times foram punidos por reportar perdas financeiras consistentes, mas houve uma recente mudança para um modelo regulatório que limita os gastos com jogadores como proporção da receita.
Isso, por sua vez, levou executivos a maximizar a receita por todos os canais disponíveis. Com os direitos de mídia tipicamente vendidos pelos organizadores das competições, aumentar o dinheiro proveniente do estádio de um clube tornou-se mais importante do que nunca.
Alguns dos métodos para aumentar a receita foram inspirados pelas experiências no esporte americano. Muitos clubes de futebol na Europa compartilham um proprietário com uma grande equipe esportiva dos EUA, incluindo Manchester United e Liverpool, enquanto outros se associam a investidores americanos.
Uma lição dos EUA é o potencial de aumentar os ganhos atraindo torcedores para as partidas mais cedo e mantendo-os lá por mais tempo após o apito final. Para isso, os clubes têm se esforçado para melhorar as instalações de bares e restaurantes dentro de seus estádios. Depois que o Tottenham se mudou para um novo estádio de 1,2 bilhão de euros (R$ 7,6 bilhões), que inclui o bar mais longo da Europa, o gasto médio por torcedor em um dia de jogo subiu de menos de 2 euros (R$ 12,71) por pessoa para mais de 16 euros (R$ 101,65), segundo o clube londrino.
“Na Inglaterra, a conversa frequentemente gira em torno de quanto você pode beber logo antes do início do jogo, e se você consegue uma bebida no intervalo”, diz Chris DeVolder, diretor de esportes, recreação e entretenimento da HOK. “Nos EUA, em todos os esportes, trata-se de quanto você pode comer e beber por três horas sem parar.”
Outra maneira de obter mais dinheiro dos torcedores existentes é melhorar e aumentar as ofertas de hospitalidade premium nos dias de jogo. A renovação de 1,5 bilhão de euros (R$ 9,5 bilhões) do Camp Nou pelo Barcelona aumentará a capacidade para 105 mil, o que fará dele o maior estádio da Europa, mas todos os assentos adicionais serão para VIPs de alto nível.
Um novo anel de camarotes de hospitalidade mais que quadruplicará o número de assentos premium, sendo que os mais caros renderão mais de 80 mil euros (R$ 508 mil) por temporada.
O padrão foi estabelecido pelo Tottenham, onde torcedores ricos podem desfrutar de comida preparada por chefs com estrelas Michelin antes e depois dos jogos, e armazenar seu uísque e vinhos finos no cofre do clube no local.
Os camarotes de hospitalidade trazem consigo algo vital para qualquer investimento em estádio: acesso a financiamento. Os direitos de comercializar assentos premium podem ser vendidos a terceiros ou usados para garantir empréstimos de bancos de infraestrutura, financiamento relativamente barato para um setor onde a dívida é notoriamente cara.
Os projetistas de estádios também estão sendo solicitados a incluir instalações que estarão abertas quando não houver futebol acontecendo para garantir que o local esteja gerando receita sete dias por semana. Por exemplo, o estádio do Tottenham também abriga uma pista de kart com a marca da F1, enquanto o museu do Barcelona atrai mais de 1 milhão de visitantes por ano.
As obras de construção em andamento no Etihad Stadium do Manchester City criarão um “destino de entretenimento durante todo o ano” com um novo hotel de 400 quartos, bares e um museu, enquanto o Fulham recentemente inaugurou sua nova Riverside Stand em Craven Cottage, que apresenta um hotel, spa, clube de membros privados, vários restaurantes e uma piscina no terraço. Outros estão procurando adicionar lojas, restaurantes e academias, bem como espaço para eventos e conferências.
“Os estádios são partes integrantes de nossas comunidades”, diz Christopher Lee, diretor administrativo para Emea da Populous, especialista em arquitetura de estádios. “Como podemos fazê-los funcionar sete dias por semana?”
A capacidade de sediar grandes artistas musicais, como shows de Beyoncé ou Taylor Swift, ou outros esportes —como partidas da NFL ou lutas de boxe— pode gerar milhões de libras por ano em receita adicional.
No entanto, o Real Madrid foi forçado a parar de sediar concertos devido a preocupações locais com poluição sonora, enquanto o Barcelona não inclui shows musicais em seu plano de investimento devido à competição cada vez mais intensa entre locais anfitriões por apenas um punhado de eventos potenciais.
Alguns investidores veem os estádios de futebol como a pedra angular de ambições muito maiores para regeneração. A Knighthead Capital, o fundo de hedge proprietário do Birmingham City FC, quer construir um novo estádio para 60 mil pessoas, que espera seja o centro de um empreendimento imobiliário de 3 bilhões de euros (R$ 19 bilhões, incluindo novos espaços comerciais, empresariais e residenciais.
Os planos do Manchester United para um novo estádio com capacidade para 100 mil pessoas para substituir Old Trafford também seriam fundamentais para um projeto muito mais amplo, apoiado pelo governo, para revitalizar o oeste de Manchester.
Olhando mais para o futuro, alguns arquitetos de estádios estão começando a imaginar um ponto onde o mundo real e o digital convergem. Os responsáveis pelo Estádio Mohammed bin Salman nos arredores de Riade — ainda um projeto conceitual incluído nos planos da Arábia Saudita para a Copa do Mundo de 2034 — dizem que um dia poderá sediar partidas de esports nas horas que antecedem um grande jogo de futebol, com hologramas e realidade aumentada implantados para dar vida aos videogames dentro do estádio, antes que as verdadeiras estrelas entrem em campo.
Outros falaram de movimentos menores em direção à integração digital, como o uso de reconhecimento facial para conceder acesso ao local em vez de um ingresso, ou “gamificar” a presença recompensando os torcedores que vão aos jogos com privilégios digitais especiais, como acesso a mercadorias exclusivas.
“Tudo isso é sobre o cruzamento entre esportes digitais e físicos. Como é para a próxima geração de torcedores de futebol? Como eles querem consumir futebol?”, diz Lee.