Você pagaria a conta de um restaurante antes de ser servido? Provavelmente não. Mas é isso que muita gente faz, sem perceber, ao antecipar o pagamento de um imóvel na planta. Foi essa a dúvida de um leitor: ele comprou um imóvel por R$ 400 mil e vai pagar metade do valor até a entrega das chaves e o restante naquele momento. Todo o contrato é corrigido pelo Índice Nacional da Construção Civil (INCC). A preocupação dele é: vale a pena quitar tudo agora para evitar o reajuste da inflação?
A pergunta parece simples, mas carrega um erro comum de percepção. Muitos enxergam uma dívida como um fardo, algo a ser eliminado o quanto antes. Mas nem toda dívida é ruim — especialmente quando você tem o valor guardado e bem investido.
Se você tem o dinheiro aplicado em produtos que rendem o CDI ou mais, antecipar o pagamento significa trocar esse investimento por outro: o INCC. Ou seja, é como investir no índice de construção civil em vez de continuar aplicando no CDI. E qual rende mais?
Nos últimos 14 anos, o INCC teve média de variação de 6% ao ano. O CDI, 9,5% ao ano. Nos últimos 12 meses, o CDI superou 11%, enquanto o INCC ficou em 7,5%. Mas neste momento, o CDI está em 14,65% ao ano. Ou seja, historicamente, manter o dinheiro investido na renda fixa tem trazido retorno maior e nesse momento o CDI está em sua máxima dos últimos 20 anos.
Mas a conta não para aí. Ao simplesmente antecipar o pagamento, você está, na prática, emprestando dinheiro à construtora. E faz isso sem exigir garantia, sem receber juros e sem sequer avaliar o risco de crédito que está assumindo. Você abre mão de liquidez e segurança, e ainda assume o risco de uma empresa sem nenhuma compensação.
Pode valer a pena? Pode — se a construtora oferecer um desconto suficiente.
Para isso, o desconto precisa representar uma taxa de retorno competitiva frente ao mercado e que compense o risco de crédito e sua perda de liquidez. Lembre-se, o CDI está na máxima histórica. Se assumirmos que o CDI vai render 6% acima do INCC nos próximos 3 anos, uma proposta que poderia deixar indiferente, por exemplo, 11% de abatimento. Entretanto, este desconto ainda não contempla os dois custos mencionados: crédito e liquidez.
Portanto, só com um desconto mais robusto — algo como 15% ou mais — essa antecipação começa a fazer sentido financeiro.
Portanto, a melhor decisão não é emocional. É matemática. Pagar antes pode parecer uma atitude prudente, mas, na prática, pode significar abrir mão de ganhos maiores. Você está mesmo disposto a trocar o rendimento do CDI pelo do INCC?
Nem sempre se livrar de uma dívida é a decisão mais prudente e rentável. Às vezes, a decisão mais inteligente é justamente mantê-la — e deixar o dinheiro trabalhando por você.
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
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