Como já apontei diversas vezes em colunas e reportagens, estimo que o Brasil precisaria de um superávit primário situado entre 1,0% e 1,5% do PIB por vários anos para estabilizar a relação entre a dívida líquida do governo em geral e o PIB. Alguns colegas apontam números bem maiores, na casa de 2,5% a 3%. Mas muitos deles parecem não considerar que o custo de rolagem da dívida tende a cair bastante caso a faixa de superávit necessário citada por mim de fato seja atingida.
Onde estamos hoje? No ano passado, o setor público consolidado encerrou o ano com um déficit primário de cerca de 0,4% do PIB, valor que vai para cerca de -1,0% quando se descontam receitas e despesas atípicas, bem como efeitos dos ciclos econômicos e dos preços de commodities (esse é o chamado resultado primário estrutural).
Portanto, precisamos sair de um resultado equivalente a cerca de -1,0% do PIB para +1,0% a +1,5% —uma consolidação fiscal de 2 a 2,5 pontos percentuais.
Antes de tentar apontar como deveríamos viabilizar esse ajuste, convém comparar alguns aspectos do presente com o passado.
Segundo as estimativas publicadas no final do ano passado pela Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Fazenda, a última vez em que o setor público brasileiro consolidado registrou superávits primários estruturais na faixa de 1,5% do PIB foi no triênio 2008/10.
Naquele período, a arrecadação bruta da União chegou a 22,9% do PIB, valor semelhante ao de 2024 (22,8%). Contudo, descontadas as transferências para os governos regionais, a receita líquida da União em 2024 foi 0,8 p.p. do PIB menor do que em 2008-10, denotando que, para uma mesma carga bruta, a situação para a União ficou mais difícil.
Ainda no caso da União, as despesas primárias em 2024 foram 1,4% do PIB maiores do que no triênio supracitado. Entre os componentes, destacam elevações de 1,3% do PIB dos benefícios previdenciários (excluindo sentenças judiciais), de 1,1% com o Bolsa Família, de 0,4% com o BPC/Loas, de cerca de 0,4% com as emendas parlamentares, de 0,3% do Fundeb (uma transferência da União a governos regionais) e de 0,3% das sentenças judiciais e precatórios.
Na contramão, aliviando parcialmente a alta dos itens citados no parágrafo anterior, temos uma queda de 1,2% do PIB do gasto com pessoal e encargos sociais e de 1,5% das despesas discricionárias (excluindo as emendas parlamentares).
Essas comparações dão algumas pistas sobre a forma que a necessária consolidação fiscal brasileira deveria tomar nos próximos anos.
Em primeiro lugar, fica evidente que a reforma administrativa, embora importante para melhorar a eficiência do setor público e acabar com privilégios de certas carreiras, não é uma panaceia do ponto de vista do ajuste fiscal.
No mais, a Previdência e o BPC/Loas seguem sendo os “elefantes na sala”: segundo as projeções do próprio governo apresentadas no PLDO 2026, os gastos com essas duas rubricas deverão chegar a 9,3% do PIB em 2028, vindo de 8,9% em 2024 (7,2% em 2008-10). Precisaremos rediscutir a sistemática de reajuste do salário mínimo ou a indexação de certas despesas a essa variável. Uma nova reforma da Previdência também será necessária.
No caso das receitas, o aumento dos ingressos do setor extrativo e o fim do excesso de compensações tributárias associadas à “tese do século”, entre outros fatores, deverão agregar cerca de 1,5% do PIB nos próximos anos. Contudo, será preciso discutir as vinculações de algumas despesas às receitas, de modo a viabilizar a consecução do primário necessário para estabilizar a dívida.