Jogar na Inglaterra mudou a forma como Lucas Pires se enxerga. Durante boa parte da carreira, ele acreditava ser apenas um garoto de origem humilde que havia realizado o sonho de ser jogador de futebol. Hoje, o brasileiro de 24 anos se descreve como um profissional, com uma nova mentalidade sobre seu papel dentro e fora de campo.
A mudança reflete não apenas seu amadurecimento como atleta mas, sobretudo, sua relação com os torcedores do Burnley, recém-promovido à primeira divisão do futebol inglês após o rebaixamento na temporada 2023/24. Independentemente do resultado em campo, o lateral esquerdo não se sente inseguro.
Formado na base do Corinthians, mas profissionalizado pelo Santos —única equipe que defendeu no país, entre 2022 e 2023—, o jogador tinha medo de sair às ruas quando atuava no futebol brasileiro.
“No Brasil, parece que o torcedor se sente dono dos jogadores”, disse ele à Folha. “Se o time está bem, você é o melhor do mundo. Se está mal, é o pior. Você não pode ir ao mercado, a uma festa de um amigo ou a um restaurante. Às vezes, nem abastecer o carro”, afirmou.
Nascido no bairro do Jabaquara, zona sul de São Paulo, Pires chegou ao futebol europeu por empréstimo ao Cádiz, onde atuou na temporada 2023/24, antes de chamar a atenção do clube inglês, com o qual assinou contrato em julho passado.
Na Inglaterra, segundo ele, a relação com a torcida é bastante diferente. “As pessoas conseguem enxergar o jogador de futebol como um profissional. Sabem que jogar é o trabalho dele e que, em momentos de lazer, quando está na rua com a família, não é adequado abordá-lo”, disse.
No Brasil, o atleta chegou a ser multado pelo Santos em 50% de seu salário, em junho de 2023, “por motivo disciplinar”, após ele e o também lateral Nathan terem sido flagrados por torcedores do time em uma festa horas antes de um treino marcado para as 9h.
Por causa do episódio, ambos passaram um período treinando separadamente do elenco santista. Esse foi o capítulo final da trajetória de Pires na Vila Belmiro. Depois de um início promissor, ele perdeu a confiança da torcida. No mês seguinte, foi emprestado ao Cádiz.
Sua passagem pela Espanha foi breve. Disputou 28 jogos, com um gol, mas conseguiu abrir caminho para se transferir à Inglaterra e se aproximar do sonho de jogar na Premier League.
Campeão inglês em duas ocasiões, sendo a última na distante temporada 1959/60, o Burnley aceitou pagar € 2,5 milhões (R$ 15,8 milhões na cotação atual) para contratar o atleta.
Ele chegou para reforçar a defesa que o técnico inglês Scott Parker se empenhou em transformar no pilar da equipe. Na última edição da Championship (a segunda divisão), o desempenho foi impressionante: o time sofreu apenas 16 gols em 46 partidas —média de 0,35 por jogo. Não levou mais de um gol em nenhuma partida e terminou invicto em casa.
Lucas Pires disputou 34 partidas da liga, sendo 32 como titular. Com isso, ajudou a equipe a conquistar 28 vitórias, com 16 empates e apenas duas derrotas, encerrando a temporada com 100 pontos.
Apesar da marca expressiva, o brasileiro não pôde comemorar o primeiro título da carreira, já que o troféu do acesso ficou com o Leeds, que também somou 100 pontos, mas levou vantagem no saldo de gols.
“É muito difícil o time chegar a 100 pontos e não ser campeão, mas esse é o primeiro critério”, resignou-se o brasileiro.
O vice-campeonato não diminuiu sua alegria por ter alcançado a elite com o Burnley. “Acho que é o sonho de todo jogador disputar a Premier League.”
Pires evitou revelar se tinha um time de preferência na infância, mas afirmou inspirar-se no estilo de jogo do francês Patrice Evra, lendário lateral esquerdo do Manchester United. “Jogava muito”, resumiu o brasileiro, que pretende trilhar caminho semelhante ao do francês.
“Espero que a próxima temporada seja maravilhosa.”
