/ May 20, 2025

Elite cultural não é tão diferente da Faria Lima – 19/05/2025 – Michael França

Há diferenças entre os donos da Faria Lima e os do repertório cultural. Os primeiros costumam ser engomados, vestir ternos de alfaiataria e transitar por rodas de investimentos. Os segundos tendem a adotar uma estética mais despojada, usar roupas casuais e falar em um tom mais acolhedor. Entretanto, também não hesitam em se beneficiar de vantagens herdadas e transmiti-las aos seus filhos.

A elite cultural… Aquela formada por artistas, intelectuais, editores, colunistas e influenciadores, também é uma elite. Uma elite que aprendeu a falar sobre lugar de fala, mas dificilmente coloca o conceito em prática quando a fala precisa, de fato, mudar de lugar. Uma elite cuja diferença da Faria Lima não é sua posição hierárquica, mas o vocabulário que a justifica.

Ambas operam em bolhas autorreferentes. A bolha financeira vende a ideia de que gera riqueza e crescimento. A cultural costuma vender o discurso de que transforma consciências e rompe opressões.

Uma sustenta a desigualdade pelo acúmulo material. A outra pela influência do discurso. No fim, ambas concentram recursos. Uma através de dinheiro, a outra em prestígio. E ambas são bastante hábeis em preservar suas vantagens enquanto defendem, com ares solidários, que o Brasil precisa mudar.

Os filhos da elite financeira herdam patrimônio e, muitas vezes, pouca notoriedade social. Os filhos das elites culturais herdam patrimônio e maior notoriedade. Ambos herdam oportunidades não acessíveis aos demais. A maior diferença está na embalagem. Enquanto a elite financeira ostenta suas vantagens com naturalidade, a elite cultural se sente mais confortável com uma ostentação disfarçada.

No entanto, ao disfarçar seu conservadorismo hereditário, parte considerável da elite cultural desmonta, por dentro, o discurso que encena por fora. Ela é incapaz de olhar para o próprio reflexo enquanto aponta os vícios alheios. Ela exige, por exemplo, um Estado inclusivo, mas não hesita em também capturar boa parte dele para si.

O alto clero dessa elite aprendeu a operar o aparelho estatal como um mecenas privado. Com domínio das leis de incentivo, apropriação de editais feitos sob medida e trânsito fluente entre os curadores da qualidade alheia, concentra recursos públicos em projetos que orbitam seu próprio universo.

Enquanto isso, o baixo clero disputa os farelos que sobram. Aqueles que estão fora da alta cúpula precisam de apadrinhamento. Mesmo os talentos mais promissores que ousam entrar nesse circuito costumam antes precisar se ajoelhar diante do altar da consagração.

Pouco importa o mérito. Pouco importa a originalidade. Pouco importa o que se tem a dizer. Para ser ouvido, é preciso antes ser autorizado. A elite cultural, esse alto clero não eleito, controla o selo de legitimidade. Quem não foi ungido por seus curadores tende a seguir falando para o vazio.

Desse modo, tem-se que as elites mudam de máscaras, mas costumam dançar no mesmo baile de gala. Um baile onde o povo só entra se for contratado para servir.

O texto representa uma continuação da série sobre elites e uma homenagem à música “I Go Shout Plenty”, de Fela Kuti.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

Notícias Recentes

Travel News

Lifestyle News

Fashion News

Copyright 2025 Expressa Noticias – Todos os direitos reservados.