/ May 23, 2025

Como a IA esta revolucionando a previsão do tempo – 22/05/2025 – Mercado

A era das previsões meteorológicas feitas por computador começou no Reino Unido em 1965, quando o Met Office passou a usar um processador do tamanho de uma sala, apelidado de “Comet”. Seis décadas depois, a instituição participa de outra revolução tecnológica —desta vez, impulsionada pela inteligência artificial.

A IA está transformando a forma como se prevê o comportamento dinâmico das nuvens, da chuva e da temperatura, informações exibidas em tempo real em uma enorme tela na sede do Met Office, na cidade de Exeter, no sudoeste da Inglaterra.

“Estamos diante de uma mudança de patamar na forma de prever o tempo, semelhante ao que ocorreu quando passamos a usar computadores”, diz Kirstine Dale, diretora de IA do Met Office. Segundo ela, o crescimento no volume de dados, o aumento da capacidade computacional e os avanços nos modelos matemáticos ampliaram consideravelmente as possibilidades.

A habilidade da IA de identificar padrões em grandes volumes de dados faz da atmosfera um campo ideal para sua aplicação. Previsões mais precisas e alertas de eventos extremos podem melhorar a segurança e a saúde pública, além de aumentar a eficiência da economia global.

Com previsões mais detalhadas e exatas, a IA pode beneficiar diversos setores —da agricultura ao mercado financeiro.

Mas há preocupações quanto à possibilidade de tensões geopolíticas comprometerem o livre compartilhamento dos dados meteorológicos públicos, fundamentais para os serviços de previsão ao redor do mundo.

Apesar da apreensão generalizada com uma eventual perda de acesso aos dados da Noaa (agência americana de previsões metereológicas), alguns especialistas destacam a perspectiva de novas fontes de informação.

A próxima geração de modelos de IA pode ganhar precisão ao incorporar dados de sensores locais, como termômetros e pluviômetros, que hoje não fazem parte dos sistemas globais de previsão. “Agora é possível instalar um novo sensor e integrá-lo rapidamente ao modelo”, afirma Scott Hosking, do Instituto Alan Turing.

Hosking estima que existam atualmente entre 20 e 30 modelos de previsão baseados em IA em desenvolvimento, alguns já operando em ambiente real. “Em um ano, esse número será muito maior”, diz.

“A rapidez com que a IA assumiu parte do trabalho de previsão do tempo é impressionante”, afirma Peter Neilley, vice-presidente da empresa The Weather Company. “Isso começou de fato há apenas cinco anos —e está se acelerando.”

Como as previsões funcionam

Até pouco tempo atrás, as previsões eram baseadas principalmente em modelos numéricos, que alimentam supercomputadores com milhões de observações do clima captadas por satélites e sensores em terra, mar e ar, processando esses dados com base em equações físicas.

Esse processo ocorre em duas etapas: primeiro, os dados são reunidos para estimar o estado atual da atmosfera; em seguida, o modelo projeta como o tempo vai evoluir.

Os primeiros sistemas de IA ainda dependem desse processo inicial, mas depois usam aprendizado de máquina para projetar o futuro.

Os resultados iniciais são promissores. O ECMWF (Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo), sediado no Reino Unido, lançou em fevereiro seu primeiro modelo operacional de IA, que melhorou em cerca de 20% a precisão de previsões como o trajeto de ciclones tropicais —oferecendo tempo extra para alertas.

Florence Rabier, diretora-geral do ECMWF, acredita que a nova tecnologia irá potencializar os avanços já obtidos nas últimas décadas com o aumento da capacidade computacional e da coleta de dados. Hoje, uma previsão com sete dias de antecedência tem a mesma qualidade de uma previsão feita com cinco dias em 2000 e com três dias em 1980.

Ela destaca o impacto global dessas melhorias. “No fim do século passado, as previsões eram muito mais precisas no hemisfério norte, por causa da maior quantidade de observações. Com os satélites mais avançados a partir dos anos 2000, essa diferença desapareceu.”

Agora surge uma nova geração de modelos experimentais de IA “de ponta a ponta”, que dispensam a etapa de assimilação de dados e trabalham diretamente com observações brutas de satélites, estações meteorológicas e sensores diversos, produzindo previsões tanto locais quanto globais.

Em março, uma equipe do Instituto Turing, em parceria com o ECMWF, apresentou o modelo experimental Aardvark, que consome tão pouca energia que pode ser executado em computadores pessoais, sem a necessidade de supercomputadores.

Segundo Hosking, cerca de dez grupos de pesquisa em empresas de tecnologia e instituições públicas estão desenvolvendo seus próprios modelos de ponta a ponta — e muitos outros devem se juntar em breve.

Esses modelos prometem “democratizar” ainda mais as previsões, principalmente em países em desenvolvimento ou em regiões com poucos dados, onde é possível incorporar observações locais com recursos computacionais mais modestos.

Alguns questionam se a IA será capaz de prever eventos extremos em um clima em transformação, já que seus modelos são treinados com dados do passado. Florian Pappenberger, vice-diretor do ECMWF, discorda: “Já mostramos que o aprendizado de máquina pode prever eventos incomuns, como as chuvas recordes nos Emirados Árabes em 2023 ou a neve em Nova Orleans este ano. A IA aprende os princípios da física, e não apenas repete padrões do passado.”

Diferencial da IA

A chamada “técnica de conjunto” —que executa múltiplas simulações com pequenas variações nas condições iniciais— já melhorou os modelos tradicionais, pois fornece uma noção da incerteza e da variedade de cenários possíveis. No entanto, é um processo caro, que geralmente se limita a cerca de 50 simulações.

É aí que a IA pode fazer diferença, afirma Dion Harris, da fabricante de chips Nvidia. “Com IA, é possível rodar milhares de simulações, o que amplia muito a capacidade de antecipar eventos extremos.”

Para que os modelos de IA atinjam todo seu potencial, será necessário ampliar o fluxo de dados meteorológicos. A maior parte das informações brutas ainda vem do setor público —de instituições como a Noaa e a agência europeia Eumetsat— e é compartilhada gratuitamente em escala global.

“O nível de colaboração internacional é extraordinário. É possível acessar dados até de satélites chineses”, diz John Turner, da Universidade de Cambridge. “Todos colocam seus dados em um sistema comum, porque isso melhora as previsões de todos.”

Turner teme, no entanto, que tensões políticas ou cortes em agências como a Noaa prejudiquem esse intercâmbio. “Essa ameaça ainda não despertou a atenção que deveria. Os cortes são perigosos num momento em que o clima está mudando de fato.”

Algumas instituições públicas já discutem formas de proteger e expandir a coleta de dados. Com a queda nos custos para lançar satélites em órbita baixa, empresas privadas começam a montar suas próprias constelações.

Investimento em satélites

A startup Tomorrow.io, de Boston, afirma ter lançado dois satélites de radar e sete sensores de micro-ondas que conseguem detectar chuva e neve através das nuvens. A empresa, que já captou US$ 300 milhões em investimentos desde 2016, pretende lançar mais quatro sensores ainda este ano e continuar expandindo sua rede.

Cada satélite pesa apenas 12 kg e custa menos de US$ 10 milhões, incluindo o lançamento, segundo o diretor executivo Shimon Elkabetz. “No começo diziam que seria caro demais montar nossa própria constelação, mas a nova economia espacial tornou isso possível.”

Ainda assim, Elkabetz acredita que empresas privadas podem complementar —mas não substituir— o trabalho de grandes agências nacionais como a Noaa.

Apesar do avanço, meteorologistas ainda não sabem exatamente como a IA transformará o setor.

Em alguns aspectos, como a previsão da intensidade de tempestades, os modelos de IA ainda não superam os melhores modelos numéricos.

Prever o futuro

A própria natureza instável da atmosfera impede previsões muito detalhadas com mais de duas semanas de antecedência, diz Robert Lee, meteorologista da Universidade de Reading. “Mas é possível prever, por exemplo, uma semana com tendência de tempo instável ou com frio intenso.”

Essa capacidade de olhar mais longe tem grande valor. Em um mundo mais dependente de energia renovável, que varia conforme o tempo, prever padrões com antecedência é crucial.

“Mesmo sem saber o dia mais frio, você quer saber que haverá uma semana de frio para garantir o fornecimento de energia”, diz Lee. “Pode ser necessário comprar gás antecipadamente no mercado futuro.”

Por outro lado, se houver previsão de ventos fortes e chuva, “você pode vender contratos futuros de gás, pois haverá mais geração eólica e menor demanda por eletricidade”, ele completa. “É assim que alguns fundos de investimento ganham dinheiro. Eles contratam nossos alunos de meteorologia.”

Defensores da IA destacam ainda outra vantagem: a capacidade de fazer previsões muito localizadas. Usando IA generativa, o sistema CorrDiff, da Nvidia, consegue aumentar a resolução de modelos tradicionais de 25 km para apenas 2 km.

Treinado com dados de Taiwan, onde já está em uso, o CorrDiff foi adaptado para os EUA e será implementado em outras regiões, segundo Harris.

No Met Office, Kirstine Dale afirma que já é possível prever o tempo com precisão em áreas de até 100 metros, como demonstrado em um estudo recente sobre temperaturas hiperlocais. “É o equivalente a uma previsão por rua”, diz.

Previsões mais detalhadas permitirão novos serviços. Segundo Neilley, da The Weather Company, alertas mais precisos sobre tempestades darão aos aeroportos mais tempo para planejar decolagens e pousos.

Embora os modelos de IA consumam muitos dados, o impacto ambiental dessa tecnologia pode ser positivo, dependendo da economia de energia que ela permite gerar ao melhorar a gestão climática.

E os meterologistas?

Por fim, há também uma questão profissional: qual será o papel dos meteorologistas se a IA dominar as previsões?

O Met Office acredita que os profissionais continuarão sendo essenciais —talvez mais do que nunca. Eles terão de interpretar divergências entre modelos, contextualizar os dados, comunicar riscos e medidas de precaução.

Além disso, a coleta de dados continuará a exigir supervisão humana. O próprio Met Office precisou anular um recorde de temperatura na Escócia em 2018 porque o sensor estava instalado perto de um caminhão de sorvetes.

Para Dale, a IA está transformando nossa compreensão do clima —mas como aliada, não substituta, dos métodos tradicionais.

“Vejo uma relação cada vez mais simbiótica”, diz ela. “Precisamos que essas ferramentas trabalhem juntas, como parte de um mesmo time.”

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