As decisões de política econômica do governo Trump colocaram em xeque, de forma contundente, a condição do dólar como principal moeda de reserva global. A grande questão agora é se alguma outra moeda está pronta para ocupar esse espaço.
Há poucos meses, sugerir que os Estados Unidos estariam comprometendo sua reputação como porto seguro financeiro era coisa de teóricos conspiratórios em cantos obscuros do Twitter, especialmente os entusiastas do ouro. (Ao que parece, eles tinham um ponto.) Hoje, o tema deixou de ser tabu e passou a ser uma hipótese razoável —com cada vez mais evidências nesse sentido. A mais recente é a decisão da Moody’s de rebaixar a nota da dívida pública americana.
Em 2011, quando a S&P foi a primeira das três grandes agências a rebaixar a nota dos EUA, o impacto nos mercados foi enorme. Mesmo assim, o dólar e os títulos do Tesouro americano se valorizaram, mantendo sua função de ativos de proteção em tempos de crise —mesmo quando a crise era interna.
Quatorze anos depois, a Moody’s seguiu o mesmo caminho, retirando dos EUA a cobiçada nota triplo A por razões semelhantes: a incapacidade política de controlar o descontrole fiscal.
Desta vez, no entanto, a reação foi diferente. O papel de porto seguro falhou. O rebaixamento da Moody’s aumentou ainda mais a pressão sobre os títulos do Tesouro, elevando os juros de longo prazo para acima de 5%. A fala de Donald Trump, na sexta-feira, sobre a possibilidade de impor tarifas de 50% à União Europeia deu algum alívio momentâneo. Mesmo assim, os títulos estão em pior situação do que durante o tumulto causado pelas primeiras falas de Trump sobre tarifas, no início de abril.
Como rebaixamentos da dívida americana são eventos raros, ainda é difícil estabelecer um padrão claro. (O da Fitch, em 2023, passou quase despercebido em meio a outros fatores de mercado.) Mas é evidente que más notícias já não favorecem mais o dólar e os títulos americanos como acontecia antes. Agora, cresce a expectativa de que outros países, especialmente os da zona do euro, assumam maior protagonismo em momentos de instabilidade.
Investidores me dizem que estão prontos. Profissionais que atuam na infraestrutura do mercado de títulos europeu também dizem estar preparados. Autoridades da Europa reconhecem, ao menos, que há uma oportunidade. Mas transformar isso em realidade é complicado.
Em um artigo recente, dois acadêmicos —Jens van ’t Klooster, da Universidade de Amsterdã, e Steffen Murau, atualmente no Global Climate Forum, em Berlim— propuseram algo parecido com um manual de como construir uma moeda de reserva. Eles destacam um ponto muitas vezes negligenciado: o papel do euro no comércio e nos pagamentos internacionais. Hoje, afirmam, a Europa mostra uma “curiosa falta de influência” nesse campo.
Como o artigo lembra, já em 2018 o então presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, lamentava a lentidão do avanço europeu nesse sentido. “É absurdo que a Europa pague 80% de sua conta de importação de energia —algo como 300 bilhões de euros por ano— em dólares, sendo que apenas cerca de 2% dessas importações vêm dos Estados Unidos”, disse ele à época.
É um ponto crucial. Emitir dívida conjunta é, sem dúvida, um desafio. Mas van ’t Klooster e Murau argumentam que esse é apenas um dos obstáculos. Para eles, as autoridades europeias deveriam agir com mais firmeza na promoção do euro como moeda de comércio internacional, estimulando seu uso além das fronteiras do bloco.
Eles sugerem, por exemplo, que a Europa passe a incluir cláusulas de faturamento em euros em seus acordos comerciais e facilite o uso da moeda nas cadeias de suprimento. Hoje, empresas europeias conseguem com facilidade tomar empréstimos em dólares no exterior para comprar, digamos, petróleo da Arábia Saudita. Esse petróleo só se converte em euros quando chega ao posto de gasolina.
Incentivar o uso do euro em exportações de energia limpa ou na importação de serviços tecnológicos, por exemplo, ajudaria a consolidar a moeda no coração do sistema financeiro global. Linhas de swap em euro, que facilitariam o fluxo da moeda em momentos de crise, também deveriam ser mais amplas, defendem os autores, como parte de um conjunto de medidas para fortalecer o papel internacional do euro.
Tudo isso, argumentam, deveria ocorrer em paralelo a iniciativas mais óbvias: aumentar a oferta de ativos seguros e negociáveis em euros. Os títulos do governo alemão, considerados a base do sistema de dívida europeu, ainda estão longe de ser suficientes para preencher o vácuo deixado pelos papéis dos EUA. Já os títulos da França e da Itália não transmitem o mesmo grau de segurança que os da Alemanha.
Criar um mercado robusto de títulos em euros, que compartilhe riscos entre diferentes países do bloco, soa como uma excelente ideia. Mas fazer isso em escala suficiente para competir com os títulos do Tesouro dos EUA é uma tarefa difícil.
E, vale o alerta, isso traria uma dose considerável de conflito político. Um aumento expressivo na emissão conjunta de dívida entre os membros da União Europeia enfrentaria inúmeros obstáculos, dados os sistemas tributários fragmentados e as diferentes prioridades nacionais.
A Alemanha provavelmente resistiria a qualquer modelo que elevasse seu custo de financiamento e permitisse que economias mais frágeis se apoiassem em sua reputação. Disputas sobre o destino e a alocação dos recursos seriam inevitáveis.
Nada disso é simples, mas, como escrevem van ’t Klooster e Murau, “as ações combinadas dos atores europeus têm desencorajado, em vez de incentivar, a criação de euros no exterior, prejudicando assim o objetivo de internacionalizar a moeda”. Os autores pedem mais vontade política. O prêmio em jogo, argumentam, é grande.