Ex-conselheiros e advogados tributaristas se tornaram réus em ações penais que envolvem suspeitas de pagamento de propina para influenciar decisões do Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda que julga recursos em questões tributárias. As defesas dos acusados negam irregularidades.
Desde o ano passado, a Justiça Federal de São Paulo acolheu ao menos duas ações penais que discutem casos correlatos.
Uma delas, que está sob sigilo, trata de suspeitas de pagamento de propina para cancelar uma dívida avaliada em R$ 161 milhões de uma empresa de turismo de Guilherme Paulus, fundador da CVC —a atual CVC Brasil, que foi comprada em parte por um grupo dos EUA, não é investigada.
Paulus também é réu no processo. Ele fez um acordo de delação premiada e deve ser beneficiado em uma eventual decisão condenatória.
Os processos são relacionados à Operação Descarte, iniciada em São Paulo em 2018 para apurar fraudes relacionadas a empresas de limpeza pública. A investigação avançou sobre suspeitas de crimes como sonegação fiscal, corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo escritórios de advocacia.
A denúncia, recebida no ano passado, também tornou réus dois ex-conselheiros do Carf: os advogados tributaristas João Carlos Cassuli Junior (relator do caso) e Fernando Lobo d’Eça. Os fatos sob apuração ocorreram em 2014.
A defesa dos ex-conselheiros afirma que eles não cometeram nenhuma irregularidade e dizem que as decisões sob suspeita foram decididas de forma unânime nas turmas do conselho.
As turmas do Carf são compostas por conselheiros indicados pelos contribuintes —em geral advogados tributaristas— e também por integrantes da Receita Federal.
O processo que envolve Paulus é referente à Operação Checkout, uma das fases da Descarte, deflagrada em 2019. Na denúncia sobre o caso, apresentada em 2023, a Procuradoria acusou os envolvidos de corrupção e lavagem de dinheiro.
A denúncia assinada pelo procurador Vicente Mandetta diz que um auditor da Receita Federal violou o sigilo profissional e alertou um lobista sobre a lavratura de um auto de infração contra a operadora de viagens.
De acordo com a Procuradoria, o auditor e advogados que negociavam decisões sobre disputas tributárias receberam propinas para aliviar a dívida da operadora tanto na Delegacia Tributária de Campinas (SP) como no Carf.
Os dois ex-conselheiros, segundo o Ministério Público, teriam recebido R$ 5 milhões em dinheiro vivo para votar a favor da empresa e reconhecer a possibilidade de analisar um recurso fora de prazo.
O resultado do julgamento cancelou a dívida e extinguiu a possibilidade de recurso por parte da Receita.
Os dois ex-conselheiros foram denunciados por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Guilherme Paulus responde por corrupção ativa e lavagem.
Também houve advogados e empresários denunciados no caso. Um desses advogados, Eduardo Rocca, foi denunciado ainda no segundo processo, aberto pela Justiça Federal este ano.
O Ministério Público Federal afirma que ele teria solicitado R$ 350 mil para conseguir decisão favorável do Carf para uma empresa de borrachas especiais e bombas nitrílicas. Os conselheiros do caso não foram denunciados, por falta de provas.
As supostas negociações foram baseadas em depoimentos apresentados por outro advogado, que se tornou delator e também foi denunciado no processo.
As investigações apontaram inúmeros saques de valores em espécie e uso de uma empresa em nome de uma terceira pessoa para a emissão de notas fiscais que seriam fictícias, com o objetivo de lavar o dinheiro.
A defesa de João Cassuli diz que a acusação do Ministério Público Federal contra ele é “uma aventura jurídica”.
“O inquérito policial comprova de forma robusta que João Cassuli conduziu os processos que relatou de forma isenta e técnica. O voto proferido foi juridicamente fundamentado em sólida jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e foi acompanhado à unanimidade pelos demais conselheiros, inclusive pelos representantes da Receita Federal”, diz o advogado Guilherme Favetti.
“Não houve sequer recurso por parte da PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional]. A defesa confia que o Poder Judiciário rejeitará sumariamente a denúncia.”
O advogado de Fernando Lobo d’Eça, Gerson Mendonça, afirmou estar confiante de que a Justiça Federal absolverá seu cliente.
Ele afirma que o julgamento do Carf mencionado na denúncia contou com o voto de todos os conselheiros que compunham a turma julgadora, e que a decisão não foi objeto de recurso.
“Ademais, a decisão unânime do Carf seguiu entendimento do STF sobre a matéria objeto do recurso. Vale lembrar que a decisão do Carf foi submetida novamente à 4ª Turma, dois anos depois, tendo os conselheiros, em nova composição da turma (sem o Dr. Fernando), julgado novamente a matéria com o mesmo resultado”, diz Mendonça.
Ele também afirma que um inquérito preliminar da Corregedoria do Ministério da Fazenda contra Lobo d’Eça, que tratava do mesmo tema da denúncia, foi arquivado.
O advogado de Eduardo Rocca, Jair Jaloreto, afirma em nota que o processo aceito neste ano contra seu cliente “deriva de uma delação premiada maldosa e mentirosa, cujo objetivo foi somente beneficiar o delator e proteger sua família”.
“Na investigação policial que precedeu o processo, a autoridade policial federal já se manifestou pelo arquivamento pois, após cuidadosa análise, entendeu pela falta de qualquer indício de cometimento do crime por parte do meu cliente. E isso será comprovado, também, no processo criminal. Temos certeza que ao final a inocência dele será demonstrada, e a Justiça se restabelecerá”, disse.
A reportagem procurou Guilherme Paulus, mas ele não respondeu aos questionamentos enviados. Anteriormente, o empresário disse que “firmou acordo com o Ministério Público Federal e a PF, tornando-se colaborador da Justiça”. Também afirmou que prestou os esclarecimentos solicitados pelas autoridades e assumiu compromisso de confidencialidade sobre seu depoimento.
Em 2015, o Carf chegou a ter suas atividades suspensas por causa da deflagração da Operação Zelotes, na qual a Polícia Federal investigou um esquema de venda de sentenças.