O Ministério do Comércio chinês já se manifestou quatro vezes desde que o governo americano ameaçou punir quem usar os chips de inteligência artificial da Huawei “em qualquer lugar do mundo”.
Pequim falou até em risco para as negociações sino-americanas sobre tarifas —e conseguiu que Washington retirasse a expressão “em qualquer lugar do mundo”. Mas a ameaça do governo Donald Trump à expansão global da empresa chinesa se mantém.
O Brasil é um dos focos dessa expansão, como evidenciado na visita do presidente Lula à China. No dia 14, ele afirmou em Pequim: “A nossa relação com a China é estratégica. A gente quer inteligência artificial. A gente quer tudo o que eles podem compartilhar conosco”.
Na véspera, Lula e o líder Xi Jinping haviam divulgado um acordo entre a Dataprev, empresa de tecnologia do governo federal, e a Sparkoo, plataforma para serviços de nuvem da Huawei, visando a “construção de infraestrutura e serviços” que auxiliem na criação da Infraestrutura Nacional de Dados de Inteligência Artificial.
Na descrição do próprio presidente brasileiro, é um dos primeiros frutos das “sinergias” buscadas desde o ano passado entre os programas de desenvolvimento dos dois países, Novo PAC, Nova Indústria Brasil e a Iniciativa Cinturão e Rota.
“O Centro Virtual de Pesquisa e Desenvolvimento em Inteligência Artificial, fruto da parceria entre Dataprev e Huawei, será essencial para o desenvolvimento de aplicações em agricultura, saúde, segurança pública e mobilidade”, prometeu Lula.
Segundo um especialista brasileiro baseado na China, trata-se de datacenters da estatal brasileira e de institutos acadêmicos situados no Nordeste, em capitais como Fortaleza.
A Huawei deve repassar tecnologia de IA voltada aos setores listados por Lula e apresentar uma adaptação para língua portuguesa do modelo de IA Pangu, lançado há dois anos e usado em suas linhas de smartphones na China.
Não há informação se o acordo abrange fornecimento dos chips de IA, mas, de maneira geral, o entendimento entre Brasil e China nessa área prevê “cooperar na infraestrutura de IA e construir juntamente conjuntos de dados de alta qualidade”.
Ainda não formalizado, outro foco das negociações entre a empresa chinesa e o governo brasileiro é o “hospital inteligente”, com aplicação de IA, a ser criado no complexo do Hospital das Clínicas, em São Paulo, em prédio fornecido pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).
O Instituto Tecnológico de Medicina Inteligente será financiado em parte pelo Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco do Brics, sediado em Xangai —onde vêm sendo realizados os encontros entre executivos da Huawei e autoridades como o chefe da Casa Civil, Rui Costa, e a secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, Ana Estela Haddad.
A agenda da visita de Estado do presidente brasileiro chegou a prever, inicialmente, uma nova ida à Huawei, como ele havia feito dois anos antes, mas a programação acabou caindo.
A expansão internacional da empresa chinesa em hardware e software de IA, inclusive potencialmente seus novos chips, não é uma realidade restrita ao Brasil.
Segundo o pesquisador americano Kyle Chan, da Universidade Princeton, “muitos países já têm datacenters de nuvem IA que parecem usar os chips Ascend da Huawei”, listando Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos no Oriente Médio, Tailândia e Malásia no Sudeste Asiático.
O avanço para a América Latina traz desafios. Em evento no final do ano passado, o fundador da Huawei, Ren Zhengfei, 80, lembrou a trajetória no Brasil, onde a empresa está presente desde pelo menos 1999.
“As leis são tão complexas que é muito difícil para os advogados entenderem a legislação brasileira”, disse. “Levamos 20 anos para finalmente passarmos do prejuízo para o lucro no Brasil. Até hoje, não é possível dizer que vamos sobreviver.”