No último dia 21 de maio, o governo federal publicou a Medida Provisória nº 1.300/2025, que representa uma tentativa concreta de reestruturar o setor elétrico brasileiro. A proposta, enviada pelo Ministério de Minas e Energia, foca três eixos: justiça tarifária, liberdade de escolha para o consumidor e equilíbrio setorial. Embora não seja considerada uma reforma estrutural completa, a iniciativa toca em pontos há muito discutidos —e adiados— por sucessivas administrações.
O primeiro eixo, de justiça tarifária, mira diretamente a Tarifa Social de Energia Elétrica. Famílias de baixa renda que consomem até 80 kWh/mês terão 100% de desconto na fatura, e aquelas com consumo de até 120 kWh/mês ficarão isentas da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). Estima-se que 66 milhões de brasileiros possam ser beneficiados. A medida é meritória, mas precisa de equilíbrio para não comprometer a sustentabilidade financeira do setor.
Já a ampliação do mercado livre de energia, prevista para atingir consumidores comerciais e industriais a partir de 2026, e todos os demais a partir de 2027, busca oferecer aos brasileiros a possibilidade de escolher seus fornecedores de energia, como ocorre atualmente, por exemplo, no setor de telefonia. A aposta na concorrência é promissora, mas exige regras claras, que dependem da atividade de regulamentação da Lei pelo próprio Ministério e da atividade regulatória da Aneel. Nesse sentido, é preocupante os prazos curtos que terão o Ministério e a Aneel para discutir e aprovar os regulamentos que são necessários para que esse eixo da reforma funcione.
O terceiro eixo propõe uma reestruturação dos encargos setoriais, especialmente da CDE. A ideia é redistribuir os custos dos subsídios existentes no setor. Está prevista uma equalização, que reduzirá subsídios aos consumidores industriais, e a diminuição de desigualdades históricas entre consumidores regulados e livres.
Entretanto, a proposta esbarra em um terreno minado. Há resistências técnicas, políticas e econômicas. O risco mais imediato está no Congresso, onde a MP já recebeu mais de 600 emendas —466 delas substanciais. A maior parte tenta restaurar ou proteger subsídios a fontes específicas ou categorias de consumidores, com destaque para geração distribuída, pequenas centrais hidrelétricas e gás natural. Essa pressão ameaça desfigurar o texto original.
A medida provisória também não avança o suficiente em temas como eficiência do sistema, expansão planejada ou integração plena de novas tecnologias como armazenamento e geração intermitente. O foco excessivo em realocar subsídios, sem atacar ineficiências estruturais, é sem dúvida o maior limitador do alcance dessa reforma.
Além disso, há o fantasma dos “jabutis” legislativos —dispositivos que, sob a justificativa de fomentar setores específicos, distorcem o planejamento energético. Tivemos um exemplo concreto disso na recente tramitação do projeto de lei sobre as eólicas offshore, que se estima que as emendas aprovadas no Congresso, e, felizmente vetadas pelo Poder Executivo, poderiam aumentar em R$ 545 bilhões os custos do sistema até 2050, elevar tarifas em 9% e as emissões em 25%.
A MP 1.300/2025 tem méritos e potencial para modernizar um setor essencial à competitividade do país. Mas, se capturada por interesses corporativos ou desidratada por emendas oportunistas, pode resultar em mais uma oportunidade perdida. Para que a reforma se torne realidade e beneficie de fato o consumidor, será preciso coragem técnica, articulação política e, acima de tudo, compromisso com o interesse público.