Na noite da última segunda-feira (2), o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses comemorou seus 44 anos de criação com uma festa das comunidades tradicionais que vivem no local e ao redor dele, e com um “presente” inusitado, vindo do céu.
Por volta das 19h, uma esfera incandescente foi avistada cruzando o céu do litoral do Maranhão e do Ceará e se desintegrando logo em seguida. A reportagem da Folha navegava pelo rio Preguiças, próximo ao vilarejo de Atins, e presenciou o fenômeno, cujo clarão parecia o de uma tempestade de raios, mas com duração de poucos segundos.
O episódio, que lembra a passagem de um cometa ou de uma estrela cadente foi, na verdade, a reentrada de lixo espacial na atmosfera da Terra.
Segundo o Exoss, projeto de monitoramento de meteoros ligado ao Observatório Nacional, tudo indica que os detritos eram do satélite Starlink 32563 (cujo Norad ID, o “número da placa” que damos a objetos em órbita, é 61934), da rede de satélites da SpaceX, de Elon Musk.
A investigação que chegou a essa conclusão começou tão logo os vídeos do episódio começaram a ser publicados pela população, e envolveu até um astrônomo da Romênia, Vlad Turcu —que, em parceria com os brasileiros do Exoss, calculou a trajetória do objeto e a região de onde sua reentrada poderia ter sido avistada.
O grupo também analisou os diversos registros do fenômeno, um deles feito a partir de uma câmera fixa na capital, São Luís, com marca d’água de data e hora, que corroborou os cálculos e os relatos que pipocavam nas redes sociais.
“A data e a hora dos vídeos e dos relatos batem com os cálculos do nosso colega romeno sobre o satélite da Starlink”, diz Marcelo de Cicco, astrônomo cooordenador do projeto Exoss. “Ainda nos faltam alguns dados para cravarmos que era um Starlink, mas que era lixo espacial, disso temos certeza.”
“Ele não estava previsto para cair no nosso território, mas alguma espécie de trajetória caótica fez com que ele se direcionasse para a região norte do Brasil”, afirma o astrônomo.
Detritos como restos de foguetes e satélites desativados não ficam eternamente em órbita. Eles vão caindo de volta para a Terra, e são rastreáveis. Reentradas de lixo espacial na atmosfera, aliás, acontecem toda semana. Com a multiplicação desenfreada de satélites artificiais na órbita da Terra, elas devem acontecer com cada vez mais frequência.
“Isso é muito preocupante, porque esses detritos podem se chocar lá em cima, se transformando em pedacinhos menores, mas que ainda caem a uma velocidade maior que de um projétil de arma de fogo, o que pode destruir outros satélites lá em cima”, diz de Cicco.
Apesar de ter sido avistado no litoral do Maranhão e nas cidades que cercam os Lençóis Maranhenses, não é possível cravar que os detritos tenham caído dentro ou impactado o ecossistema do parque. Guias da região relatam burburinho nos grupos de WhatsApp dos nativos, com muita gente curiosa para encontrar algum resquício do satélite.
Horas antes do clarão, as comunidades tradicionais do Canto de Atins e da Ponta do Mangue se encontraram na entrada do parque em Atins, no pôr do sol, para celebrar os 44 anos do parque, que foi criado por uma lei federal em 2 de junho de 1981.
Na festa, crianças das escolas municipais dos povoados cantaram o hino oficial de Barreirinhas e o hino de Atins —que, a despeito de ser um distrito de Barreirinhas, tem seu próprio hino. Ao final, salgadinhos e um bolo decorado com as lagoas dos Lençóis Maranhenses foram servidos para a comunidade.
A ocasião também marcou a inauguração de uma nova sinalização na entrada do parque, que foi custeada pelo empresariado de Atins em troca da exposição das suas marcas nos totens.